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domingo, 30 de julho de 2023

Das abadias medievais: criação e impulso aos licores espirituosos

Abadia de Hautvilliers, onde nasceu o champagne
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Pouco se fala do impulso decisivo dado pelos monges medievais para a criação e/ou requinte de aguardentes, licores, vinhos, cerveja, sidra e outras bebidas alcoólicas hoje muito apreciadas.

A tradição continuou introduzindo nos mosteiros após a Idade Média sucessivos aperfeiçoamentos e novos requintes, como o champanhe.

Os inventos dos monges passaram rapidamente aos leigos, que seguindo o impulso primeiro das abadias adquiriram voo próprio na elaboração de refinadas bebidas.

Dom Perignon, abade a quem se atribui o champagne
O colunista Reinaldo Paes Barreto, especialista em vinhos, escreveu interessante matéria da qual reproduzimos alguns excertos.

Na Idade Média, o clero atuou em todos os campos da atividade política, social e pessoal dos seus contemporâneos.

Inclusive, que é o que nos interessa aqui, na produção de vinhos, cervejas, “eau-de-vies” e licores.

Foi no silêncio dos monastérios, ou nas experiências dos laboratórios improvisados, que os monges, com a participação de “alquimistas” (químicos), procuraram obstinadamente soluções medicinais que prolongassem a vida.

Como colocar ‘espírito’ nas bebidas para que elas transmitissem vigor, alegria e energia vital.

Mas só por volta do século XIV, na França, eles começaram a macerar plantas e frutas para fabricar os primeiros licores.

E só quatro séculos depois, com a chegada à Europa do açúcar de cana, vindo das Antilhas, é que os produtores de licor definiram a fórmula – no mais das vezes secreta – com a qual produzem, até hoje, os emblemáticos digestivos que são servidos mundo afora.

Chartreuse: um dos licores mais premiados do mundo
Essas bebidas “espirituosas” devem ser apreciadas em pequenas quantidades junto com o café ou após a refeição.

E além de se dirigirem “ao espírito” elas também falam ao coração.

Existem dois processos para a fabricação de licores de qualidade:

Destilação – as frutas, ervas e outros ingredientes são macerados em álcool e a mistura então é destilada.

Este processo é mais usado para especiarias voláteis (hortelã, laranja, tomilho);

Infusão – é o processo de adição de frutas e outras especiarias ao álcool, cujo produto é filtrado e, depois, adocicado.

Os licores mais conhecidos são:

Amaretto (licor com sabor de amêndoas, produzido originalmente na Itália com caroços de abricó.

O amaretto Disaronno vem sendo produzido desde 1525).

Tia Maria (licor de café, à base de rum aromatizado com especiarias típicas da Jamaica).

Cointreau (licor incolor produzido com a casca de pequenas laranjas verdes originárias da ilha de Curaçau, Antilhas Holandesas).

Destilaria dos monges cartuxos faz Chartreuse
Chartreuse (o verde é produzido pelos monges cartuxos, perto de Grenoble, na França.

Chamado de “liqueur de santé” (licor da saúde), quase teve a sua fórmula destruída pela Revolução Francesa.

Mas ela foi salva, ainda uma vez, por um monge.

Composto por álcool, açúcar e 130 plantas, não contém nenhum produto químico e é o único licor verde no mundo, de cor natural).

Quarenta e três (43 ingredientes entram nesse licor espanhol, feito à base de brandy com ligeiro sabor de baunilha).

Drambuie (antigo e famoso licor de uísque, produzido com “highland malt whisky” e mel de urze).

Grand Marnier (licor de laranja do tipo curaçau macerada no conhaque).

Beirão (licor português com base em diversas plantas – entre as quais o eucalipto, a canela, o alecrim e a alfazema – e sementes aromáticas).




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domingo, 7 de maio de 2023

São Bernardo: "é muito mais justo
combater agora o jugo dos pecadores
do que sofré-lo sempre"

São Bernardo de Claraval fez alto elogio  dos cavaleiros que empunham as armas por Cristo
São Bernardo de Claraval fez alto elogio
dos cavaleiros que empunham as armas por Cristo
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
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continuação do post anterior: Elogio dos Templários feito por São Bernardo de Claraval

A milícia do Templo

Mas o mesmo não se dá com os Cavaleiros de Jesus Cristo, pois combatem somente pelos interesses de seu Senhor, sem temor de incorrer em algum pecado pela morte de seus inimigos e sem perigo nenhum pela sua própria, porque a morte que se dá ou recebe por amor de Jesus Cristo, muito longe de ser criminosa, é digna de muita glória.

Por um lado se adquire em ganho para Nosso Senhor, por outro é Jesus Cristo mesmo que o adquire; porque Ele recebe com gosto a morte de seu inimigo em seu desagravo, e se entrega com mais gosto ainda como consolo de seu soldado fiel.

Assim, o soldado de Jesus Cristo mata com segurança o seu inimigo e morre com maior segurança.

Se morre, faz o bem para consigo; se mata, o faz para Jesus Cristo; porque não é em vão que ele leva ao lado a espada, pois é ministro de Deus pata tirar vingança sobre os maus e defender pela virtude os bons.

Certamente, quando se mata um malfeitor, não se passa por homicida. Antes, se me é permitido falar assim, por malicida. Passa por ser o justo vingador de Jesus Cristo na pessoa dos pecadores, e por ser o legítimo defensor dos cristãos.

E quando ele perde a vida, é antes uma vantagem do que uma perda. Pois a morte que dá a seu inimigo é um ganho para Nosso Senhor, e a que recebe é sua ventura verdadeira.

 Um cristão se glorifica na morte de um pagão, porque Jesus Cristo é glorificado nela; e a liberalidade do Rei dos Reis se torna manifesta na morte de um soldado cristão, porque ele é levado da terra para o prêmio.

À vista do mau, o justo se regozijará vendo a vingança executada nele. Do bom, dirão os homens: "Ficará o justo sem recompensa? Não há Deus que é seu juiz sobre a terra?"

É certo que não se deveria exterminar os pagãos se houvesse algum outro meio de punir e evitar os maus tratos e opressões violentas que eles exercem contra os cristãos.

Mas é muito mais justo combatê-los agora do que sofrer sempre o jugo dos pecadores sobre os justos, assim os bons não cometerão iniqüidades com os pecadores.

Com efeito, se de nenhum modo fosse permitido a um cristão fazer guerra, por que teria o precursor do Salvador declarado no Evangelho que os soldados devem estar contentes com seu pagamento, e não proibiu toda sorte de guerra?

Se, como é certo, este é um emprego lícito para todos aqueles que Deus destinou a ele, e não estão empenhados em outra profissão mais perfeita, quem — vos pergunto — o pode servir com mais vantagens do que nossos valorosos cavaleiros, que pela força de seu braço e de sua coragem conservam generosamente a cidade de Sion como o baluarte mais forte de toda a Cristandade, a fim de que, expulsos dele os inimigos da lei de Deus, possam as nações fiéis, que guardam a verdade, entrar ali com toda segurança?

Dispersai, pois, e dissipai com firmeza os infiéis que buscam a guerra, e sejam exterminados aqueles que nos conturbam continuamente; lançai fora da cidade do Salvador todos os ímpios que cometem a iniqüidade, que desejam roubar os inestimáveis tesouros do povo cristão dos quais a cidade de Jerusalém é o sagrado depósito, os que desejam profanar as coisas santas e possuir o santuário de Deus, como se fosse herança sua.

Sejam vibradas as duas espadas dos fiéis contra as cervizes dos inimigos, a fim de destruir toda cultura que queira elevar-se contra a ciência de Deus, que é a fé dos cristãos, para que os gentios não digam um dia: onde está o Deus destas nações?

Então, expulsos os inimigos de sua casa, Nosso Senhor mesmo voltará à sua herança, da qual predisse em sua cólera: "Vede que vossa casa ficará desamparada como um deserto"; e à qual se refere, pela boca de seu profeta, nestas palavras: "Desejei minha casa e abandonei minha herança".

Será cumprida esta profecia de Jeremias: "O Senhor resgatou seu povo e o libertou; e eles virão e se regozijarão sobre a montanha de Sion, e gozarão com prazer dos bens do Senhor".

Alegra-te, ó Jerusalém, e reconhece o tempo de tua visita. Regozijai-vos e entoai cânticos de gratidão, desertos de Jerusalém, porque Deus consolou seu povo, livrou Jerusalém e mostrou a força de seu braço santo à vista de todos os gentios.

A vida dos cavaleiros templários

É mister agora que, para exemplo ou confusão de nossos soldados, digamos umas palavras da vida e dos costumes dos cavaleiros de Jesus Cristo, e de que maneira se portam na guerra e em sua vida particular, a fim de fazer conhecer melhor a diferença que há entre a milícia de Deus e a do século.

Primeiramente, quer na guerra, quer na paz, guarda-se perfeitamente a disciplina e a obediência exata, porque, segundo o testemunho da Escritura, "o menino que vive sem disciplina perecerá".

E também: "é um crime de magia resistir, e um pecado de idolatria não querer obedecer".

Vai-se e vem ao primeiro sinal daquele que manda, veste o que se dá e não ousa buscar em outra parte nem a vestimenta, contentando-se em satisfazer apenas as necessidades.

Todos vivem em comum, em uma sociedade agradável e modesta; sem mulheres e sem filhos, a fim de que nada falte à perfeição evangélica; moram todos juntos numa mesma casa, sem propriedade alguma particular, tendo um cuidado muito grande em conservar a unidade de espírito no laço da paz.

Dir-se-ia que toda essa multidão de pessoas não tem senão um coração e uma só alma. Cada um procura com cuidado não seguir sua própria vontade, mas sim obedecer pontualmente à ordem do superior.

Não estão jamais ociosos nem correm daqui para lá, desejando satisfazer sua curiosidade. Mas quando não estão em marcha, o que sucede raras vezes, estão sempre ocupados, para não comer ociosamente seu pão, em refazer o que estragou-se de suas armas e de seus hábitos, em reparar o que está demasiadamente velho ou em colocar em ordem o que está fora do lugar.

Enfim, em trabalhar em tudo aquilo que a vontade do Grão-Mestre ou a necessidade comum prescreve.

Entre eles não há acepção de pessoas. Tem-se consideração pela generosidade, e não pela maior nobreza. Apressam-se em honrar-se mutuamente e em carregar as cruzes do próximo, a fim de cumprir por este meio a lei de Jesus Cristo.

Hábito e armas de um templário
Hábito e armas de um templário
Uma palavra insolente, uma ação inútil, um risco imoderado, uma leve queixa ou a menor murmuração não ficam jamais sem castigo neste lugar.

Desprezam e têm horror aos cômicos e aos mágicos, aos contos de fantasias, às canções burlescas e a toda sorte de espetáculos e de comédias, como vaidades e loucuras falsas.

Levam seus cabelos curtos, sabendo que, segundo o Apóstolo, é vergonhoso a um homem cuidar de sua cabeleira.

Quando estão prestes a entrar em guerra, fortificam-se por dentro com a fé e por fora com as armas de aço não douradas, para, assim armados sem ornamentos preciosos, infundir terror aos inimigos, em vez de excitar sua avareza.

Cuidam muito de ter bons cavalos, fortes e ligeiros, e não reparam que sejam de pelagem bonita ou estejam ricamente ajaezados. Pensam mais em combater do que em apresentar-se com fausto e pompa.

Aspirando à vitória e não à vanglória, procuram fazer-se mais respeitar do que admirar por seus inimigos.

Jamais marcham em confusão e com impetuosidade, nem se precipitam às pressas nos perigos, pelo contrário estão sempre em seus postos com uma precaução e prudência inimagináveis.

Entram em batalha na mais bela ordem, segundo o que está escrito do povo de Deus: "Os verdadeiros israelitas marcham para a batalha com o espírito pacífico.

Mas chegados ao embate, põem de lado a mansidão costumeira, como se dissessem: ‘Não é certo que eu aborreço a todos que vos aborrecem, Senhor, e que me consumo de cólera contra vossos inimigos?’"

Lançam-se como leões sobre seus adversários, olhando as tropas inimigas como rebanhos de ovelhas.

Mesmo que muito poucos em número, não temem de maneira alguma a multidão de seus soldados nem sua crueldade bárbara.

Estão igualmente ensinados a não confiarem em suas próprias forças, mas a esperam do poder do Deus dos Exércitos, ao qual é fácil, segundo a sentença do generoso Macabeu, entregar as numerosas fileiras inimigas nas mãos de um punhado de pessoas, não fazendo, para Deus do céu, nenhuma diferença em livrar seu povo com muita ou pouca gente.

Vídeo: Montgisard: um punhado de templários e o rei Balduíno IV derrotam a Saladino



Porque a vitória da guerra não vem do grande número de soldados, mas de um favor do céu. Isto eles têm experimentado frequentemente, até ter visto muitas vezes um milhar de homens posto em fuga por um só, e dez mil por dois somente.

Enfim, vê-se todavia no dia de hoje, por uma graça singular e admirável, que eles são mais mansos que cordeiros e mais ferozes que leões.

De tal forma que, de boa fé, fico indeciso em dizer se deve-se qualificá-los com o nome de monges ou de cavaleiros, e me pergunto se não seria melhor chamá-los com um e outro nome, posto que têm a mansidão dos monges e a força dos soldados.

O que se pode dizer aqui, senão que é Deus mesmo o autor dessas maravilhas que vemos com pasmo diante de nossos olhos?

É Deus, volto a dizer, quem escolheu para si tais servos e os juntou de todas as extremidades da terra, dentre os mais valentes de Israel, para guardar animosamente o leito do verdadeiro Salomão, isto é, o Santo Sepulcro, com a força de suas armas e com sua destreza nos combates.

FIM




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domingo, 30 de abril de 2023

Elogio dos Templários feito por São Bernardo de Claraval

São Bernardo de Claraval. Francesco di Antonio del Chierico,
Biblioteca Apostolica Vaticana, ms urb lat 93 f 7v
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






De uma carta de São Bernardo a Hugo, templário.

Estas palavras iniciam o famoso panegírico "Em louvor da Nova Milícia" (De Laude Novae Militiae) composto pelo santo
:

Pediste-me uma, duas ou três vezes, se não me engano, Hugo caríssimo, que fizesse uma exortação para ti e teus cavaleiros.

E como não me era permitido servir-me da lança contra as agressões dos inimigos, desejaste que, pelo menos, empregasse minha língua e meu gênio contra eles, assegurando-me que eu te faria um favor se animasse com minha pena aqueles que não posso animar pelo exercício das armas.

Voa por todo o mundo a fama do novo gênero de milícia que se estabeleceu no país em que o Filho de Deus encarnou-se e expulsou pela força de seu braço os ministros da infidelidade.

Este é um gênero de milícia não conhecido nos séculos passados, no qual se dão ao mesmo tempo dois combates com um valor invencível: contra a carne e o sangue e contra os espíritos de malícia espalhados pelos ares.

Em verdade, acho que não é maravilhoso nem raro resistir generosamente a um inimigo corporal somente com as forças do corpo.

Tampouco é coisa muito extraordinária, se bem que seja louvável, fazer guerra aos vícios ou aos demônios com a virtude do espírito, pois se vê todo o mundo cheio de monges que estão continuamente neste exercício.

Mas quem não se pasmará por uma coisa tão admirável e tão pouco usada como é ver a um e outro homem poderosamente armado dessas duas espadas, e nobremente revestido do caráter militar?

Certamente esse soldado é intrépido e está garantido por todos os lados. Seu espírito se acha armado do elmo da fé, da mesma forma que seu corpo da couraça de ferro.

São Bernardo de Claraval. Vicente Berdusán Osorio (1671-1673).
Estando fortalecido por essas duas espécies de armas, não teme nem aos homens nem aos demônios.

E digo mais: não teme a morte, posto que deseja morrer.

Com efeito, o que pode fazer temer, seja a morte ou a vida, quem encontra sua vida em Jesus Cristo e sua recompensa na morte?

É certo que ele combate com confiança e com ardor por Jesus Cristo, entretanto deseja mais morrer e estar com Jesus Cristo, porque este é seu fim supremo.

Eia, pois, valorosos cavaleiros, marchai com segurança, expulsai com uma coragem intrépida os inimigos da Cruz de Nosso Senhor, e estai certos de que nem a morte nem a vida poderão separar-vos da caridade de Deus, que está em Jesus Cristo.

Pensai com frequência, durante o perigo, nestas palavras do Apóstolo: "Vivamos ou morramos, somos de Deus".

Oh! Com quanta glória voltam do combate esses vencedores!

Oh! Com quanta ventura morrem esses mártires na peleja!

Regozija-te, campeão valoroso, de viver no Senhor, mas regozija-te ainda mais de morrer e ser unido ao Senhor. Sem dúvida tua vida é frutuosa e tua vitória gloriosa, mas tua morte sagrada deve ser preferida com justa razão a uma e a outra.

Pois se os que morrem no Senhor são bem-aventurados, quanto mais não o serão aqueles que morrem pelo Senhor?

Em verdade, de qualquer maneira que se morra, seja no leito, seja na guerra, a morte dos santos será sempre preciosa diante de Deus. Mas a que ocorre na guerra é tanto mais preciosa, tanto maior é a glória que a acompanha.

Oh! Que segurança, repito, há na vida que espera a morte sem temor nenhum!

Oh! Deseja-a com ânsia e recebe-a com devoção!

Oh! Quão santa e segura é esta milícia, e quão livre e isenta está desse duplo perigo em que se acham ordinariamente as gentes de guerra, que não têm Jesus Cristo por fim de seus combates!

Porque tantas vezes como entras na peleja — tu, que não combates senão por um motivo temporal — deves ter temor de matar a teu inimigo quanto ao corpo, e a ti mesmo quanto à alma, ou talvez de ser morto por ele quanto ao corpo e quanto à alma juntamente.

Pois o perigo ou a vitória do cristão se deve considerar, não pelo sucesso do combate, mas pelo afeto do coração. Se a causa daquele que peleja é justa, seu êxito não pode ser mau, assim como o fim não pode ser bom se é defeituoso o motivo e torta sua intenção.

Se, com a vontade de matar a teu inimigo, tu ficas estendido, morres fazendo-te homicida. E se ficas vencedor, e fazes perecer a teu contendor com o desígnio de triunfar dele e de vingar-te, vives homicida.

Pois quer morras, quer vivas, quer sejas vitorioso ou vencido, de nenhum modo te é vantajoso ser homicida.

Quartel geral do Templários, profanado e transformado
na atual mesquita de Al Aqsa, na Esplanada do Templo, Jerusalém
Desgraçada vitória a que te faz sucumbir ao vício, ao mesmo tempo que triunfar de um homem. Em vão te glorias de ter triunfado de teu inimigo, quando a cólera e a soberba te reduzem à escravidão.

A milícia secular

Qual é o fim e o fruto, não digo desta milícia (o Templo), mas da milícia secular, quando aquele que mata peca mortalmente, e aquele que é morto perece por uma eternidade?

Servindo-me das palavras do Apóstolo: "Aquele que semeia o grão deve fazê-lo na esperança de gozar de seu fruto".

Mas dizei-me, valentes do século: que ilusão espantosa é esta e que insuportável furor é este, de combater com tantas fadigas e gastos, sem outro salário que o da morte e o do crime?

Cobris os cavalos de belos ornamentos de seda, forrais as couraças com ricas fazendas, pintais as lanças, os escudos e as selas, levais as rédeas dos cavalos e as esporas cobertas de ouro, de prata e de pedrarias, e com toda essa pompa brilhante vos precipitais na morte, com furor vergonhoso e com uma estupidez que não tem menor discernimento.

São equipagens de guerra ou são o adorno de mulheres? Pensais que a espada do inimigo terá respeito ao ouro que levais? Que preservará vossa pedraria, e que não será capaz de transpassar essas belas fazendas de seda?

Enfim eu julgo, e sem dúvida vós o experimentais com bastante frequência, que há três coisas que são inteiramente necessárias: é mister que o prudente e valoroso cavaleiro tenha muito domínio sobre si, para enganar os golpes do adversário; que tenha iniciativa e habilidade, para mover-se de qualquer lado; que esteja sempre preparado para carregar sobre o inimigo.

Mas vós fazeis tudo ao contrário: levais, como as damas, grandes cabeleiras, que vos atrapalham para atingir o que tendes em volta; embaraçais as pernas com vossas longas vestimentas; envolveis vossas fracas e delicadas mãos com grandes véus.

Mas acima de tudo isso, o que deve assustar mais a consciência dos combatentes é que ordinariamente se empreende uma guerra muito perigosa por motivos muito ligeiros e de nenhuma importância.

Efetivamente, o que suscita os combates e as querelas entre vós não é, o mais das vezes, outra coisa senão um movimento de cólera pouco razoável, um certo apetite de vanglória ou o avaro desejo de possuir um pedaço de terra.

Com semelhantes causas, não há nenhuma segurança em matar um homem ou em ser morto.

continua no próximo post: São Bernardo: "muito mais justo é combatê-los agora do que sofrer sempre o jugo dos pecadores"



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domingo, 16 de outubro de 2022

Abadias beneditinas: modelos de governo monárquico-aristocráticos-democráticos

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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política internacional,
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Continuação do post anterior: Desenvolvimento medieval guiado pela sabedoria monacal



Foi na sala do capítulo, durante as reuniões quotidianas, que nasceram alguns modelos de participação política e de organização do poder ainda em vigor.

O capítulo monástico foi, sem dúvida, o primeiro lugar do Ocidente em que regularmente, diariamente, se verificou a relação dos membros com a Regra, se controlou a respectiva aplicação, se inculcou o seu conteúdo, se reforçou a coesão do grupo.

Porque a vida dos religiosos decorre num regime de direito. 

Léo Moulin provou, em numerosos estudos, de que forma o estudo das regras e das constituições dos estabelecimentos religiosos é fundamental para a ciência política contemporânea, sublinhando alguns aspectos:

– o caráter misto do governo dos religiosos (monarquia, oligarquia e democracia); isto pelo papel respectivamente confiado ao abade, aos decanos do mosteiro e a toda a comunidade;

– a natureza e a originalidade da sua assembleia legislativa;

– a primazia do poder executivo, primazia essa temperada pela necessidade de esse poder executivo se inclinar perante votos colegiais;

– as origens religiosas das técnicas eleitorais modernas;

– o sistema, complexo e sofisticado, que presidia à eleição do abade (com a participação da “sanior et major pars”), etc.

Lembremos apenas isto: Cister funda a sua Assembleia Supranacional em 1115, habilitando-a a legislar, a modificar ou abrogar as leis, a interpretá-las.






Só o capítulo geral da Ordem, o Parliamentum, pode conceder dispensas e absolvições; esse capítulo elege o superior geral e os seus assistentes; pode destituí-los.

A Assembleia é a fonte de todos os poderes, a Summa Potestas. Isto, repito, em 1115, um século antes da Magna Carta e do seu embrião de regime parlamentar.

Realizações materiais eram consequência da vida religiosa.
Monges rezam em enterro, Huntington Catalog Images, f 192
Comparadas com esta forma elaborada de governo, com estas assembleias regulares submetidas a um código eleitoral e deliberativo extraordinariamente minucioso, as instituições municipais e reais do princípio do século XII parecem bastante toscas.

Tudo o que temos vindo a dizer foi lapidarmente resumido por Taine:

“Pelo seu trabalho inteligente, voluntário, executado em consciência e conduzido a pensar no futuro, o monge produz mais do que o leigo. Pelo seu regime, sóbrio, concentrado, econômico, o monge consome menos do que o leigo. É por isso que, aí onde o leigo tinha falhado, ele prospera.”





(Autor: (excertos de) Luís Miguel Duarte, Professor Catedrático de História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade do Porto)


FIM